29/04/2013

A Função Erro e Outras Funções Relacionadas

A função erro $erf(x)$ tem uma longa história que começa com os artigos de De Moivre (1718-1733) e Laplace (1774), onde foi expressa através da seguinte integral:
\begin{equation*}
\int e^{-t^2}dt
\end{equation*}
Mais tarde, Kramp (1799) utilizou esta integral para a definição da função de erro complementar $erfc(x)$.

A integral de probabilidade foi assim chamada porque é amplamente utilizada na teoria da probabilidade e estatística, aparecendo também em equações diferenciais parciais.

A função erro imaginário $erfi(z)$ também chamada de Função Erro de Gauss, foi desenvolvida para calcular a integral da distribuição normal. Gauss mostrou como a probabilidade pode ser representada por uma curva em forma de sino ou normal, onde o erro se distribui simetricamente com picos na média e caindo rapidamente para mais e menos infinito. Em 1809, Gauss usou esta função para analisar dados astronômicos.

A função erro de Gauss e outras funções relacionadas
A função erro é definida por:
\begin{equation}
erf(x)=\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int_0^x e^{-t^2}dt
\end{equation}
A função erro complementar é definida por:
\begin{equation}
erfc(x)=1-erf(x)=\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int_x^\infty e^{-t^2}dt
\end{equation}
A função erro imaginário introduzida por Gauss é definida por:
\begin{equation}
erfi(z)=-ierf(iz)=-\frac{2i}{\sqrt{\pi}}\int_0^{iz}e^{-t^2}dt
\end{equation}
Fazemos uma mudança de variável:
$$t=iy  \Rightarrow dt=i\ dy$$
Vejam que na integral dada em $(3)$, $t$ assume valores de $0$ a $iz$ e com a mudança de variável, teremos que:
\begin{cases}
\text{se }&t=0 &\Rightarrow &y=0\\
\text{se }&t=iz &\Rightarrow &iz=iy &\Rightarrow z=y
\end{cases}Obtemos então:
\begin{equation}
erfi(z)=-\frac{2i}{\sqrt{\pi}}\int_0^z e^{-(iy)^2}i\ dy
\end{equation}
Como $i^2=-1$, temos:
\begin{equation}
erfi(z)=\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int_0^z e^{y^2}dy
\end{equation}
Podemos expressar $(5)$ em termos de $t$:
\begin{equation}
erfi(z)=\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int _0^z e^{t^2}dt
\end{equation}


Proposição:

Vamos provar que:
\begin{equation*}
 \lim_{x \rightarrow +\infty}erf(x)=1
\end{equation*}

Demonstração:

Seja $I$ o limite acima. Assim:
\begin{equation}

I=\lim_{x \rightarrow +\infty} erf(x)\\
\ \\
I=\lim_{x \rightarrow +\infty}\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int _0^xe^{-u^2}du\\
\ \\
I=\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int _0^{+\infty}e^{-u^2}du

\end{equation}
e
\begin{equation}

I=\lim_{x \rightarrow +\infty} erf(x)\\
\ \\
I=\lim_{x \rightarrow +\infty}\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int _0^xe^{-v^2}dv\\
\ \\
I=\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int _0^{+\infty}e^{-v^2}dv

\end{equation}
Multiplicando as expressões $(7)$ e $(8)$, obtemos:
\begin{equation}
I^2=\frac{4}{\pi}\cdot \int_0^{+\infty}e^{-u^2}du \cdot \int_0^{+\infty} e^{-v^2}dv\\
\ \\
I_2=\frac{4}{\pi}\cdot \int_0^{+\infty}\int_0^{+\infty}e^{-u^2-v^2}du\ dv
\end{equation}
Observe que a região de integração é o $1^\circ$ quadrante. Para resolver a integral dupla $(9)$, De Moivre teve a ideia de usar coordenadas polares, fazendo $u=r\ \cos(\theta)$ e $v=r\ \text{sen}(\theta)$. O elemento de área $du\ dv$ está relacionado com o elemento $dr\ d\theta$ através da expressão:
\begin{equation*}
du\ dv=\left | J \right |dr\ d \theta
\end{equation*}
onde $J$ é o Jacobiano da transformação dado por:
\begin{equation*}J=\frac{\partial (u,v)}{\partial (r, \theta)}\\
\ \\
J=\begin{vmatrix}
\displaystyle \frac{\partial u}{\partial r} & \displaystyle \frac{\partial u}{\partial \theta}\\
\\
\displaystyle \frac{\partial v}{\partial r} & \displaystyle \frac{\partial v}{\partial \theta}
\end{vmatrix}   =\begin{vmatrix}
\cos(\theta) & -r\ \text{sen}(\theta)\\
\\
\text{sen}(\theta) & r\ \cos(\theta)
\end{vmatrix}\\
\ \\
J  = r\cos^2(\theta)+r\ \text{sen}^2(\theta)=r
\end{equation*}Assim, $du\ dv=r\ dr\ d\theta$, de modo que:
\begin{equation*}
I^2= \frac{4}{\pi}\int_0^{\pi/2}\int_0^{+\infty}e^{-r^2}\cdot r\ dr\ d\theta\\
\ \\
I^2= \frac{4}{\pi}\int_0^{\pi/2}d\theta \cdot \lim_{p \rightarrow +\infty}\int_0^pe^{-r^2}\cdot r\ dr\\
\ \\
I^2=\frac{4}{\pi}\cdot \frac{\pi}{2}\cdot \lim_{p \rightarrow +\infty}\left[-\frac{1}{2}e^{-r^2}\right]_0^p\\
\ \\
I^2=2\cdot \lim_{p \rightarrow +\infty} \left[-\frac{1}{2}e^{-p^2}+\frac{1}{2}\right]\Rightarrow\\
\ \\
I^2=1\\
\ \\
I=1
\end{equation*}

Observação:

Os limites de integração foram $0\leq\theta\leq\pi/2$ e $0\leq r <+\infty$, pois desta forma, preenchemos o $1^\circ$ quadrante, que é a região de integração das variáveis antigas.

Corolário:

\begin{equation*}
\displaystyle \lim_{x \rightarrow -\infty}erf(x)=1
\end{equation*}

Demonstração:

\begin{equation*}
\lim_{x \rightarrow -\infty}erf(x)=\lim_{y \rightarrow +\infty}erf(-y)=\lim_{y \rightarrow +\infty}erf(y)=1
\end{equation*}
onde $y=-x$. Se $x \rightarrow -\infty$, então $y\rightarrow +\infty$.

No penúltimo passo, usamos o fato de que a função $erf(x)$ é par.

Exemplo 1:

A função gama denotada por $\Gamma(x)$ é definida por:
\begin{equation*}
\Gamma(x)=\int_0^{+\infty}t^{x-1}e^{-t}dt\text{  ,     }x>0
\end{equation*}
Mostre que: $\Gamma (1/2)=\sqrt{\pi}$.

Façamos $t=u^2$ na integral acima. Note que $dt=2udu$ e que os limites de integração são os mesmo. Assim:
\begin{equation*}
\Gamma(1/2)=\int_0^{+\infty}(u^2)^{\frac{1}{2}-1}e^{-u^2}\cdot 2u\ du\\
\ \\
\Gamma(1/2)=2\cdot \int_0^{+\infty}u^{-1}\cdot e^{-u^2}\cdot u\ du\\
\ \\
\Gamma(1/2)=2\cdot \int_0^{+\infty}e^{-u^2}du\\
\ \\
\Gamma(1/2)=\sqrt{\pi}\cdot \frac{2}{\sqrt{\pi}}\int_0^{+\infty}e^{-u^2}du\\
\ \\
\Gamma(1/2)=\sqrt{\pi} \cdot \lim_{p \rightarrow +\infty}\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int_0^pe^{-u^2}du\\
\ \\
\Gamma(1/2)=\sqrt{\pi} \cdot \lim_{p \rightarrow +\infty}erf(p)=\sqrt{\pi}\cdot 1=\sqrt{\pi}
\end{equation*}

Exemplo 2:

Vamos calcular a integral $\displaystyle \int x^2 e^{x^2}dx$. Temos que:
\begin{equation*}
\int x^2e^{x^2}dx=\int x \cdot xe^{x^2}dx
\end{equation*}
Aplicamos o método de integração por partes, de modo que:
\begin{equation*}
u=x \Rightarrow \frac{du}{dx}=1 \Rightarrow du=dx
\end{equation*}
e
\begin{equation*}
dv=xe^{x^2}dx \Rightarrow v=\frac{e^{x^2}}{2}
\end{equation*}

Observação:

Para integrarmos $\displaystyle dv=xe^{x^2}dx$, aplicamos o método de integração por substituição. Seja $u=x^2$ e $du=2x\ dx$. Assim, se $dv=xe^{x^2}$ então:
\begin{equation*}
v=\int xe^{x^2}dx\\
\ \\
v=\int \frac{xe^u}{2x}du\\
\ \\
v=\frac{1}{2}\int e^udu\\
\end{equation*}Como a integral de $e^u=e^u$, temos:
\begin{equation*}
v=\frac{1}{2}e^u+C\\
\  \
v=\frac{e^u}{2}+C\\
\ \\
v=\frac{e^{x^2}}{2}+C\\
\end{equation*}
Retomando as ideias, temos pela integração por partes que:
\begin{equation*}
\int udv=uv-\int vdu
\end{equation*}
Assim:
\begin{equation*}
\int x^2e^{x^2}dx=x\cdot \frac{e^{x^2}}{2}-\int \frac{e^{x^2}}{2}\cdot dx+C\\
\ \\
\int x^2e^{x^2}dx=\frac{xe^{x^2}}{2}-\frac{1}{2}\int e^{x^2} dx+C\\
\ \\
\int x^2e^{x^2}dx=\frac{xe^{x^2}}{2}-\frac{1}{2}\cdot \frac{\sqrt{\pi}}{2}\cdot \frac{2}{\sqrt{\pi}}\int e^{x^2} dx+C\\
\ \\
\int x^2e^{x^2}dx=\frac{xe^{x^2}}{2}-\frac{\sqrt{\pi}}{4} erfi(x)+C
\end{equation*}

Autores:

  • Kleber Kilhian
  • Paulo Sérgio Costa Lino

Veja mais:

COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: A Função Erro e Outras Funções Relacionadas. Publicado por Kleber Kilhian em 29/04/2013. URL: . Leia os Termos de uso.


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9 comentários:

  1. Oi, Kleber! Queria relatar uma experiência que fizemos no laboratório de Física: Medimos (com miicrômetro)o diâmetro de +/- 400 bolinhas de chumbo que segundo o fabricante teria 3mm de diâmetro, a média deu 3,00mm e o desvio não me lembro bem próximo de 0,5 mm aí fizemos um gráfico de barras com a distribuição das medidas e sobrepusemos o grafico da função erro deslocada. Incrível como os pontos coincidiam. Isso só pode ser "mágica". O que tem a ver a curva de e^(-x^2)com o processo de fabricação?
    Para mim isso é surpreendente. Obrigado abrçs.

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    Respostas
    1. Olá Tavano! Experiência interessante. O resultado surpreendente não é a toa, acredito que experiências como essa devam obedecer a curva. Os antigos sabiam das coisas...

      Na minha graduação as aulas de estatística e probabilidade foram "nas coxas" e o pouco que aprendi acabei esquecendo por não ter gostado. Esta postagem foi boa para relembrar algumas coisas.

      O Paulo ajudou muito, pois tem uma mente privilegiada, um mestre e tanto!

      Grande abraço!

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  2. Já tinhamos tentado usar a função erro, mas não sabia que podia usa-la sem os limites de integração, no caso de integral indefinida. Pode mesmo?

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    Respostas
    1. Pode desde que acrescente a constante de integração no final. No exemplo 2, houve um pequeno erro de digitação, trocando x por z.

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  3. Bom dia Multiplicador Kleber, desejamos muita paz pra você e a sua família!

    Venho em nome dos EDUCADORES MULTIPLICADORES convidar você a:

    @ Parabenizar os multiplicadores do mês;
    @ Dar as boas vindas aos novos multiplicadores;
    @ Retribuir comentários em sua postagem de publicação (na página índice).

    Multiplicador, precisamos de sua visita para que o Projeto Educadores Multiplicadores tenha vida e continue crescendo. Contamos com a sua presença! Os Multiplicadores agradecem a gentileza e compreensão. Ah, no mês de junho tem novidade no E.M.

    Excelente sábado, obrigado pela parceria, fiquemos na Paz de Deus e até breve.

    IRIVAN

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  4. Olá novamente. Parabéns pelo trabalho.

    Gostaria de pedir uma postagem sobre o determinante jacobiano. Ele não aparece muito em livros de cálculo básicos. Parece-me que o que aparece mais ou menos melhor é o do Simmons. Os outros não me satisfizeram.

    Este assunto é chave para mudança de variáveis em integrais múltiplas (como nesta sua postagem) e caminha para outros mais avançados como covariantes e contravariantes. E se não estiver enganado em mudança de sistemas de coordenadas de operadores vetoriais. Ufa!

    Estou aprendendo e a caminhada é longa. Valeu!

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  5. Prezado Kleber,
    Voce sabe porque essa funçao e chamada de "erro" (meu noteb nao esta acentuando...).

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    Respostas
    1. Olá Ricardo.

      Não sei o por que do nome. Procurei na internet mas não encontrei uma resposta. Fico devendo essa.

      Um abraço.

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    2. Creio que o nome "função erro" se deriva das teorias de cálculo numérico para encontrar aproximações de soluções de problemas que não possuem solução analítica. Por exemplo, o método de Simpson.

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